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Foto do escritorNathanne Rost

O que são "fábricas de artigos", como agem e suas consequências na ciência: uma introdução à ponta do iceberg

 

Neste post, introduzirei brevemente as fábricas de artigos e suas consequências para a ciência.


Eu decidi escrever sobre isto pois (até onde eu saiba), não muitos cientistas sabem sobre o problema, mas há muito esforço por parte dos detetives (pessoas que trabalham em prol da descontaminação científica, para referência, não deixe de ler The Rise of the Science Sleuths) dedicados a investigarem isto mais detalhadamente.


Começaremos bem do início da situação. Infelizmente, cientistas são incentivados de formas erradas a publicarem seus resultados na forma de artigos: a pressão de publique ou pereça. Estudantes de doutorado e mestrado são obrigados a publicarem para poderem defender suas teses e dissertações; acadêmicos no geral são pressionados a publicar afim de receberem promoções, aumentos salariais, terem projetos aprovados e financiados, etc. Entretanto, publicar não é assim tão fácil, uma vez que muitos parâmetros são involvidos neste processo. Por exemplo, ciências experimentais (como química e biologia) são altamente afetadas pela crise de replicação, onde cientistas "lutam" para reproduzir experimentos ou atingirem resultados satisfatótios. Neste cenário, há uma recusa geral para publicar maus resultados ou negativos, e a menos que seu artigo contenha dados inovadores ou fascinantes, será muito difícil publicá-lo. Neste ciclo vicioso, ainda precisamos respeitar prazos, como os de submissão de relatórios de projetos ou candidaturas de emprego.

 

Por outro lado, existem organizações fraudulentas vendendo autoria em artigos, nas redes sociais como Telegram, WhatsApp e Facebook, as chamadas fábricas de artigos (em inglês, paper mills). Suas atividades são basicamente fabricar artigos falsos (usando ferramentas geradoras de texto, por exemplo), submeter estes manuscritos às revistas científicas e manipular o processo de revisão por pares. Algumas revistas, por exemplo, solicitam que os autores sugiram revisores durante a etapa de submissão; então os fraudadores sugerem eles mesmos (com emails falsos) e no relatório de revisão recomendam a aceitação do artigo. Após a aceitação, anunciam o artigo nas redes sociais e começam as vendas de autoria para um artigo que já foi aceito em determinada revista (geralmente com preços mais elevados para primeiro e segundo autores). Após a venda de autoria, é apenas uma questão de solicitar ao editor a mudança na lista de autores e está feito! O artigo é publicao sem nenhum esforço (além de pagar) por parte dos autores.


Abaixo um exemplo, deste post no X, por @author_for_sale

 

“Existe toda essa economia, ecossistema de grupos no Facebook, WhatsApp e canais no Telegram vendendo autoria de artigos, citações, capítulos de livros e autoria de patentes” – Nick Wise para o Retraction Watch

 

Os danos das fábricas de artigos para a ciência são enormes: muitos falsos artigos contaminando a literatura. Contudo, alguns sinais de produtos destas fábricas podem ser identificados, e uma lista detalhada (bem como maiores discussões técnicas sobre este assunto) podem ser encontrados no artigo Paper mill challenges: past, present, and future por Parker et. al., 2024. Aqui quero mostrar pelo menos um exemplo destes sinais: frases torturadas (em inglês, tortured phrases), "um estilo de escrita duvidoso" que substitui termos estabelecidos. A Tabela abaixo (de Tortured phrases: A dubious writing style emerging in science, por Cabanac, Labbé and Magazinov, 2021) mostra alguns exemplos de frases torturadas detectadas pelo Identificador de Artigos Problemáticos (Problematic Paper Screener).

 

Reproduzido de Cabanac, G., Labbé, C., & Magazinov, A. (2021). Tortured phrases: A dubious writing style emerging in science. Evidence of critical issues affecting established journals. arXiv preprint arXiv:2107.06751.

 

Como comunidade, o que podemos fazer para evitar os efeitos das fábricas de artigos? Das recomendações de Parker et. al., 2024, duas chamaram minha atenção: mudar os incentivos de pesquisa (eu diria que uma melhor aceitação da comunidade científica em publicar maus resultados); e compartilhar conhecimento (o principal objetivo deste blog pessoal, fazer com que mais pessoas sejam alertadas sobre os problemas na ciência e como mitigá-los).


Gostaria de destacar os principais pontos de Parker et. al., 2024:


• Fábricas de artigos são organizações fraudulentas que ganham dinheiro escrevendo artigos falsos e vendendo autoria para clientes acadêmicos.
• Os resultados das fábricas de artigos são em larga escala, e muito milhares de artigos falsos têm sido publicados com sucesso em revistas revisadas por pares.
• A atividade das fábricas de artigos são relativamente desconhecidas fora da indústria de publicação, o que significa que muitos pesquisadores e leitores não conhecem os sinais.

Parker, Lisa, Stephanie Boughton, Lisa Bero, and Jennifer A. Byrne. ‘Paper Mill Challenges: Past, Present and Future’. Journal of Clinical Epidemiology, 9 October 2024, 111549.

 

Para concluir, fábricas de artigos promovem falsas pesquisas, e geralmente os mesmos "resultados" são apresentados em diversos artigos; esta prática tem muito impacto negativo na ciência, como a poluição da literatura científica e a corrupção do conhecimento. Por outro lado, algumas más atividades relacionadas à autoria não necessariamente afetam o conhecimento científico, mas ainda comprometem a avaliação científica. Por exemplo, um artigo válido (não fabricado) pode ser autorado por pessoas que pagam (ou possuem outros tipos de acordos com os co-autores) para terem seus nomes na lista de autores. Em tais casos, a pessoa errada recebe crédito por um trabalho no qual ela/ele não contribuiu, mas esta adição ao seu currículo pode ser o diferencial para obter um novo emprego, ser destacado de outros candidatos, receber premiações, financiamentos para novos projetos, ser promovido(a), e por aí vai.


Para saber mais sobre paper mills, recomendo que você Encontre um Problema (Find an Issue) nestes seis casos apresentados por Anna Abalkina.


Escrito por Nathanne Rost, com agradecimentos especiais à Jennifer Byrne e Willem Halffman, por contribuírem para este texto antes de sua publicação.

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